Sabesp aposta em clima, mas especialista alerta que água pode acabar em 100 dias
Professor da Unicamp diz que reservatórios de SP secarão caso consumo e estiagem permaneçam como estão atualmente
Enquanto
a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) mantém
o discurso de que o volume de água atual dos sistemas Cantareira e Alto
Tietê é suficiente para durar até março e de que as chuvas a partir de
outubro normalizarão os dois reservatórios, especialistas alertam para
uma realidade bem menos otimista. Chefe do Departamento de Recursos
Hídricos da Universidade de Campinas (Unicamp), Antônio Carlos Zuffo
calcula em no máximo 100 o número de dias em que as 30 milhões de
pessoas dependentes dos sistemas se verão completamente sem
abastecimento caso medidas concretas não sejam tomadas para mudar a
situação atual.
O agravamento tem sido cotidiano. Em 28 de maio foi
iniciada a retirada do volume morto das represas do Cantareira. A
medida, na qual a água localizada sob o nível das comportas dos
reservatórios foi bombeada para cima, elevou o nível do sistema para
26,7% de sua capacidade. Pouco mais de um mês depois, nesta terça-feira
(1º), ele chegou a 20,4%, uma taxa de 0,18% de queda diária, que deve
levar o volume útil anterior - de 8,2% passou para 1,5% - a zerar já no
próximo dia 8 de julho.
"O cenário em que encontramos é cada vez
pior, porque as medidas deveriam ter sido tomadas em janeiro, no máximo
em fevereiro, mas nada de fato foi feito. E estamos alertando para a
seca desde o ano passado", explica Zuffo em entrevista ao
iG.
"O governo precisa assumir que a crise é extremamente grave e decretar o
racionamento o quanto antes para garantir que cheguemos ao período
chuvoso ainda com água. Sem o Alto Tietê e o Cantareira, São Paulo
literalmente para."
Para chegar ao cálculo, Zuffo levou em consideração uma série de
fatores. A começar pela continuidade da estiagem, que tem afetado toda a
região dos reservatórios, no interior paulista, desde o início do ano.
Em nota enviada ao
iG na semana passada, a Sabesp
reforçou que não trabalha com qualquer possibilidade de racionamento,
rodízio ou restrição de consumo nos municípios onde atua, destacando que
"em outubro inicia-se o período de chuvas, que deve ajudar a normalizar
os níveis dos mananciais". Infelizmente, o clima, como ficou comprovado
nos últimos meses, não é tão previsível.
Em janeiro e fevereiro,
as chuvas ficaram quase três vezes abaixo da média. Em dezembro, esse
indíce chegou a quase quatro vezes. Em março e abril as precipitações
voltaram à situação esperada, mas em maio houve novo retrocesso, com
menos da metade das chuvas aguardadas nas regiões e, em junho, mais uma
vez, quase quatro vezes inferiores ao normal para a época.
"Historicamente,
as chuvas podem atrasar, podem começar só em dezembro em vez de em
outubro. E, se elas atrasarem uma semana, teremos dois reservatórios sem
água nenhuma", alerta Zuffo.
A meteorologista Neide Oliveira, do Inmet (Instituto Nacional de
Meteorologia), concorda. "É uma tendência normal a redução dos regimes
de precipitação nesta época, que, no entanto, está mais seca do que o
habitual. Analisando da mesma forma, as chuvas devem voltar a ocorrer de
novo entre setembro e outubro. Mas a atmosfera é muito dinâmica, pode
mudar o tempo todo", diz ela. "Assim, é impossível fornecermos previsões
de longo prazo, pois simplesmente não dá para confiar. O que fazemos
são previsões de dez dias e elas dizem que o tempo continua seco."
Membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê - que passou a
abastecer 4 milhões de pessoas na capital paulista em fevereiro como
forma de amainar a crise do Cantareira e hoje conta com apenas 26% de
volume útil -, o professor José Roberto Kachel tem cálculos um pouco
mais otimistas, mas segue a previsão de calamidade do colega caso a
atual situação permaneça. "Se persistir a estiagem, temos de 145 a 150
dias para um esvaziamento total das represas do Alto Tietê", diz ele. "A
Sabesp insiste que não existe possibilidade de esvaziamento das
represas e, consequentemente, necessidade de redução da vazão captada
porque virão chuvas com intensidade para recuperá-las. Só resta rezar
para que ela esteja com a razão."
Pensando em alternativas, o
Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e
Jundiaí (PCJ), que atua no incentivo à recuperação dos mananciais da
região do Cantareira, propôs, em encontros realizados no interior
paulista na semana passada, o início de um processo de "intercalamento"
no uso das águas dos dois sistemas. Baseado em um modelo aplicado há
anos no Ceará - chamado de "alocação de água" no Estado, acostumado com a
seca -, ele propõe uma espécie de racionamento no qual a recomendação é
que a captação de recursos seja revezada entre os setores agrícola,
industrial e urbano a fim de não sobrecarregar os sistemas.
"É um grande acordo dos usuários para sistematizarem os usos. Hoje, a
captação de todos os setores é feita principalmente de dia, então a
ideia é fazer com que haja um revezamento. Por exemplo, o município
capta sua parte durante o dia, enquanto a indústria e o setor agrícola
se revezam ao longo da noite. Mas isso não tem nenhuma ligação com os
órgãos gestores, seria uma comissão estabelecida pelos três setores para
se avaliar e decidir. O fato é que, se a retirada permanecer como está,
corremos o risco real de exaurir os reservatórios", diz o PCJ.
A
distribuição da captação, no entanto, apenas retardaria a paralisação
das indústrias e empresas agrícolas durante o período de estiagem, ou
seja, prolongaria a atividade econômica, mas sem um efeito prático em
relação à inevitável seca dos reservatórios. "É uma sobrevida, porque,
se isso não ocorrer, a indústria vai dispensar e, naturalmente, de forma
gradativa também haverá um desabastecimento de produtos", analisa
Zuffo, citando o déficit de 12 m3/s no abastecimento apenas no
Cantareira.
A Agência Nacional da Águas (ANA), responsável pela outorga da água
para os governos estaduais, junto ao Departamento de Águas e Energia
Elétrica (DAEE), já recomendou a adoção de um critério para operar os
reservatórios com expectativas de curto prazo, fazendo controles
semanais ou quinzenais e os devidos ajustes posteriores para que as
vazões sejam liberadas de acordo com o verificado no período anterior.
Para evitar a seca, os órgãos podem até obrigar a Sabesp a reduzir o
abastecimento - o que a companhia nega, defendendo a atual operação dos
dois sistemas como dentro de suas expectativas.
"A empresa tem
envidado todos os esforços no sentido de minimizar os efeitos da
estiagem de maneira a poupar a população de eventuais incômodos. Foram
adotadas medidas como implantação do bônus para quem economizar água,
transferência de águas dos sistemas Alto Tietê e Guarapiranga para
usuários do Cantareira, início de obras para utilização da reserva
estratégica e uma intensa campanha sobre a necessidade de economizar
água junto aos veículos de comunicação. Até o momento, houve adesão de
91% da população ao bônus. Desses, 54% o atingiram", diz em nota.
A Agência Nacional da Águas (ANA), responsável pela outorga da água
para os governos estaduais, junto ao Departamento de Águas e Energia
Elétrica (DAEE), já recomendou a adoção de um critério para operar os
reservatórios com expectativas de curto prazo, fazendo controles
semanais ou quinzenais e os devidos ajustes posteriores para que as
vazões sejam liberadas de acordo com o verificado no período anterior. Para evitar a seca, os órgãos podem até obrigar a Sabesp a reduzir o
abastecimento - o que a companhia nega, defendendo a atual operação dos
dois sistemas como dentro de suas expectativas.
"A empresa tem
envidado todos os esforços no sentido de minimizar os efeitos da
estiagem de maneira a poupar a população de eventuais incômodos. Foram
adotadas medidas como implantação do bônus para quem economizar água,
transferência de águas dos sistemas Alto Tietê e Guarapiranga para
usuários do Cantareira, início de obras para utilização da reserva
estratégica e uma intensa campanha sobre a necessidade de economizar
água junto aos veículos de comunicação. Até o momento, houve adesão de
91% da população ao bônus. Desses, 54% o atingiram", diz em nota.
Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2014-07-01/sabesp-aposta-em-clima-mas-especialista-alerta-que-agua-pode-acabar-em-100-dias.html (extraído em 03/07/14)